As mulheres dominando a construção civil
Quando foi contemplada com um lote na ocupação Paulo Freire, na região do Barreiro, em Belo Horizonte, há três anos, Chay Miguel, 31, se deparou com a necessidade de contratar um pedreiro para construir sua casa. Sozinha com o filho Yan, hoje com 11 anos, ela encontrou uma pessoa que ergueu um cômodo, que era o que o dinheiro permitia, mas ainda faltava muito para que o lar estivesse pronto.
A partir do contato com um grupo de moradoras da região, conheceu o projeto Arquitetura na Periferia, que capacita mulheres para conduzir reformas em suas casas. “As aulas eram muito especiais, era cada dia uma novidade. Pude aprender da teoria à prática”, conta Chay, que usou os conhecimentos adquiridos para construir um esgoto e um piso novo no banheiro. Ela também fez a parte elétrica e o reboco de parte da obra.
A cerâmica da cozinha, que ela mesma assentou, é resultado de uma oficina com Cenir Aparecida Silva, 52 anos, mestre de obras do projeto e moradora do bairro Urucuia, no Barreiro de Cima, em BH.
Há alguns anos, Cenir também fez a própria obra. Ela recebia assessoria técnica em regime de mutirão nos finais de semana, mas decidiu se aprimorar. Fez curso de marcenaria estrutural com uma arquiteta e professora da PUC, aprendeu elétrica, pintura, até se tornar mestre de obras pela escola de engenharia da UFMG.
Acesso a direitos básicos
O projeto Arquitetura na Periferia nasceu da tese de mestrado da arquiteta Carina Guedes na UFMG em 2013. “Queria entender por que a arquitetura fica restrita às grandes obras e às classes privilegiadas, enquanto tem tanta gente construindo o tempo todo. A gente anda pela cidade e vê as periferias crescendo, sem acesso a esse tipo de serviço.”
Na ocasião ela pôde investigar o assunto com o apoio do grupo de pesquisas MOM (Morar de Outras Maneiras), que já atuava no atendimento de demandas populares. Carina, então, desenvolveu um método de assessoria técnica para melhoria da moradia a pequenos grupos de mulheres. Durante o mestrado ela conseguiu testar esse método no primeiro grupos de mulheres.
Durante o mestrado ela conseguiu testar esse método no primeiro grupo de mulheres na ocupação Dandara, região norte de Belo Horizonte. “O processo foi pautado pelo compartilhamento da informação, em vez de simplesmente focar no produto, que é o projeto arquitetônico”, diz. “Ele foca no aprendizado, em aprender a planejar a reforma. Com isso você aprende a planejar várias outras coisas, e a sua vida toda pode ser impactada de maneira positiva —na autoestima, principalmente.”
Hoje o grupo atua de forma contínua com a ajuda de doações mensais em três comunidades da capital mineira, Eliana Silva, Paulo Freire e Dandara. A cada ano elas formam pelo menos um grupo de mulheres em cada uma dessas comunidades.
Para a arquiteta, a casa vai muito além do espaço físico. “Principalmente para as mulheres da periferia, ela significa também o acesso a direitos básicos. Você precisa de um endereço para conseguir colocar o filho na creche, acessar a saúde. Com a pandemia isso ficou mais evidente, ao ver as mulheres trabalhando em suas casas para torná-las melhores. Elas saem de um lugar em que são dependentes de alguém para fazer qualquer mudança para um lugar de ‘eu posso fazer e a qualidade de vida da minha família vai melhorar’.”
Conheça mais sobre o projeto
Que iniciativa bacana! São estórias como esta que nos deixam com mais fé no mundo!